Flávia Boggio

Roteirista. Escreve para programas e séries da Rede Globo.

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Flávia Boggio
Descrição de chapéu Todas drogas

O dia em que plantei um pé de maconha em casa

Seu sabor era suave e fresco, o barato era um relaxamento sem sono, uma euforia sem perder a serenidade

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O Supremo Tribunal Federal, STF, estipulou a quantidade de 40 gramas e seis plantas fêmeas de Cannabis para distinguir o porte de maconha para uso pessoal do tráfico de drogas.

Mesmo que a substância siga proibida —mas sem consequências criminais —, muitos já sonham em iniciar uma produção caseira. Eu mesma me lembrei de quando fui mãe de planta de "cigarrinho de artista".

Na ilustração de Galvão Bertazzi uma moça está sentada ao lado de um vaso. Neste vaso está plantado um enorme pé de maconha, cujas folhas e galhos se abrem e espalham por todo o espaço do desenho. A moça segura um regador, e de olhos fechados despeja água no vasinho. Ao seu lado, um cãozinho repousa tranquilamente.
Galvão Bertazzi - Glavão Bertazzi/Folhapress

Não que eu seja uma consumidora, pelo contrário. Na juventude, não me batia bem. As coisas mudaram quando ganhei algumas sementes de um amigo, que jurou que aquela erva era diferente.

Segundo meu amigo, a maconha que eu consumia na juventude era uma mistura de esterco, cola de sapateiro e outras substâncias que contribuíam para as "bad trips". Convencida, resolvi dar uma chance para as sementes mágicas.

Me emocionei assim que brotou a primeira folha no vaso, com as clássicas cinco pontas. Passei a regá-la regularmente, borrifar chorume de minhoca, até batizei ela de Dirce.

Dirce não era uma mulher discreta. Tinha um perfume forte e uma aparência impossível de não ser notada. Até o eletricista comentou: "Quer dizer que você tem uma planta mágica?", antes de pedir para retornar após a colheita.

Madalena, minha cachorra, também descobriu nas folhas de Dirce um saboroso petisco. Talvez explique a serenidade da vira-lata, antes de perder seu acesso à planta.

Em um mês, surgiu no topo de Dirce, como uma coroa, a tão aguardada flor. Aos trancos e barrancos, ela sobreviveu até a colheita. Após algumas semanas de secagem e "cura", finalmente chegou a hora de degustar minha amiga.

Seu sabor era suave e fresco. O barato era um relaxamento sem sono. Uma euforia, sem perder a serenidade. Seu único efeito colateral era uma fome de rinoceronte, que me fazia comer nachos com doce de leite.

Dirce foi o produto mais sustentável, orgânico, com baixa pegada de carbono —já que foi produzida a poucos metros da consumidora final— que consumi. Sem falar que ela não alimentou uma organização criminosa que passa por todos os setores da sociedade.

É isso que vai acontecer no país, quando todos tiverem suas Dirces em casa. Tanto que resolvi adotar uma sucessora de Dirce. Mas essa, por uma distração, não sobreviveu à Madalena, minha cachorra maconheira.

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